terça-feira, 27 de setembro de 2011

Entulho vira material nas obras

Jornal Valor Econômico 
 
O avanço da indústria da construção civil, a crescente valorização de iniciativas sustentáveis e a Política Nacional de Resíduos Sólidos estão produzindo uma importante movimentação num segmento pouco explorado do setor: o da reciclagem de materiais utilizados no processo da construção. 
 
 
 
De acordo com as estimativas da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), associação que foi criada neste ano e reúne 21 empresas dedicadas à atividade de reciclagem de resíduos do setor, há no Brasil 120 novas unidades recicladoras em implantação. 
 
É um número importante para um segmento pouco conhecido dentro e fora do setor. Segundo Gilberto Meirelles, presidente da Abrecon, a geração de resíduos na construção civil no Brasil representa meia tonelada ao ano por habitante, o que significa 80 milhões de toneladas ao ano, considerando uma população urbana de 160 milhões de pessoas. 
 
"O volume é enorme e não há mais área para destinação nos grandes centros urbanos."Meirelles citaoutros fatores que pioram o cenário: a falta de cultura ambiental responsável pela não separação dos materiais recicláveis nas obras, pela utilização das caça mbas como lixeiras e pelo descarte irresponsável, feito em áreas irregulares e o preconceito de grandes empresas e órgãos públicos, o que restringe a comercialização dos produtos reciclados. 
 
"São muitos os que se apresentam como agentes do meio ambiente, mas resistem a utilizar o material reciclado por puro desconhecimento das vantagens, cuidados e critérios definidos por normas técnicas e laudos que as recicladoras adotam" observa Meirelles.

Para ele, o grande trabalho do setor é promover o reconhecimento do material reciclado, que traz à obra uma economia de 30% em relação aos materiais convencionais e permite um excelente ganho ambiental, na medida em que preserva recursos naturais e evita o acúmulo dos resíduos acumulados durante a construção de todos os tipos de empreendimento.

Cerca de 90% dos materiais reciclados utilizados pelo setor são resultado do processamento do entulho de alvenaria. O trabalho é feito por recicladoras que utilizam máquinas especialmente criadas para transformar os resíduos de alvenaria em areia, pedrisco, brita, rachão e bica corrida, que voltam à cadeia produtiva com os mais diversos usos, exceto em etapas estruturais do processo.

A areia reciclada, por exemplo, pode ser usada para argamassa de assentamento de alvenaria de vedação, em contrapisos, solo-cimento, blocos e tijolos de vedação. O pedrisco, para a fabricação de artefatos de concreto, como blocos de vedação, pisos intertravados e manilhas de esgoto. 
 
A brita reciclada é indicada para a fabricação de concretos não estruturais e em obras de drenagem, enquanto a bica corrida serve como base e sub-base de pavimentos, reforço e subleito de pavimentos, regularização de vias não pavimentadas, aterros e acerto topográfico de terrenos. Já a madeira, que representa cerca de 8% do resíduo do setor, pode ser picotada e utilizada para produzir energia, e o ferro (2%) é vendido para recicladores de ferro ou realinhado e reutilizado em outras obras.

Apesar de tantas indicações, não mais do que 15% do total de resíduos da construção civil é reciclado. "Esse percentual poderia chegar a 80%, fazendo o segmento crescer cinco ou seis vezes, com um grande ganho ambiental para o país", diz Meirelles, um administrador de empresas que há seis anos trocou a fabricação de explosivos para a mineração pela vertente da sustentabilidade e atua no setor de reciclagem da construção desde 2009, com a Estação Resgate, empresa que tem hoje quatro unidades recicladoras, duas em São Paulo, uma em Minas Gerais e outra em Goiás.

O modelo de negócio da Estação Resgate funciona com usinas fixas, que recebem, processam e devolvem os resíduos reciclados a construtoras, e com usinas móveis, conceito que prevê o deslocamento da máquina até grandes obras públicas ou privadas e a produção dos materiais reciclados no próprio local. Além de tecnologia para a triagem e a reciclagem dos resíduos, a empresa tem parcerias que permitem uma atuação desde o recolhimento de caçambas de entulho pré-selecionado nas obras até o desenvolvimento de novas tecnologias para utilização dos produtos reciclados. 
 
A empresa procura ganhar mercado com ações inovadoras, como as caçambas de entulho chamadas Caçambeco, com visual inspirado nos fuscas do museu de Inhotim. Como a Estação Resgate, outras empresas que atuam nesse mercado estão trabalhando a pleno vapor. É o caso da Recinerte Ambientale, criada em 2007 pelo engenheiro mecânico Egídio Buso. 
 
"Pesquisamos o mercado e decidimos trazer para o Brasil uma máquina fabricada na Itália que o Brasil não conhecia." Hoje são duas, uma em Angra dos Reis (RJ) e outra em São Paulo. Segundo ele, para atender ao crescimento da demanda, duas outras estão a caminho do país. O serviço oferecido pela empresa consiste em envias as máquinas aos locais das grandes obras. 
 
O sistema identifica magneticamente e separa ferros, que saem limpos da esteira. Madeiras e plásticos são separados manualmente e a máquina produz a bica corrida. Depois, com peneiras, pode produzir também os três insumos - areia, brita e pedrisco. Os clientes são grandes demolidoras e construtoras.

Igualmente estimulado pelo potencial das grandes obras, o grupo Ambipar decidiu agregar uma divisão de reciclagem ao seu vasto portfólio de gestão ambiental, que inclui o fornecimento de mão de obra e equipamentos para a manipulação dos resíduos ao transporte dos materiais e administração de aterros. "Compramos um conjunto de máquinas que podem processar até 80 toneladas de material por hora no local da construção", conta André Oda, presidente do conselho de administração do grupo. 
 
"Começamos com máquinas maiores para atender à demanda dos investimentos em grandes obras e estudamos a aquisição de equipamentos menores para outros nichos do mercado", diz Oda. O equipamento já foi para Belo Horizonte processar o entulho gerado pela demolição do Mineirão, que virou insumo na construção do novo estádio, e para uma área pública próxima ao centro de São Paulo para processar o entulho gerado na reforma de uma praça da cidade.

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